PATHS OF IMPACT | PAULO FONTOURA

  1. Como é que a formação na NOVA Medical School influenciou o seu percurso profissional até ao seu cargo atual? Que momentos marcaram mais este seu percurso?

 

Ser aluno na NOVA Medical School foi das melhores experiências que tive na minha vida pessoal e profissional e certamente o momento fundador da minha carreira. A NOVA tinha um ambiente de genuína camaradagem, com contacto precoce com o doente em vários hospitais de Lisboa, e um grupo de docentes muito ativo e empenhado. 

Tive a oportunidade de me envolver no ensino muito cedo, o que também me possibilitou ganhar outras experiências, incluindo a de investigação – o que me levou, anos mais tarde, a ir para a Universidade de Stanford, onde fiz três anos de investigação básica intensa em Esclerose Múltipla. Esse foi o segundo grande momento, que me formou como investigador e que me introduziu ao tema da medicina translacional. O terceiro grande momento foi a vinda para a Suíça para liderar o grupo de medicina translacional em Neurociências da Roche, e depois o grupo de desenvolvimento clínico.

Ao longo desses 16 anos tive o privilégio de trabalhar em várias áreas terapêuticas para além das Neurociências e de desenvolver mais de 40 novos fármacos, dos quais 7 foram aprovados e são agora usados por milhares de doentes. O quarto grande momento estou a viver agora, com a Xaira, onde estamos a tentar usar a Inteligência Artificial generativa para transformar o modo como se descobrem e desenvolvem novos medicamentos de forma mais rápida e eficiente, enquanto tentamos, também, resolver alguns dos grandes desafios da Biologia 

 

 

  1. A Medicina está em constante evolução, com avanços como a Inteligência Artificial e a medicina personalizada. Como vê o papel dos médicos do futuro e quais as competências essenciais para se destacarem nesse cenário? 

 

As transformações tecnológicas que estamos a viver vão alterar muitos aspetos da vida clínica e da prática da medicina, para além de oferecerem a promessa de gerar mais e melhores terapêuticas para os doentes. Muitos dos processos e tecnologias com que estamos habituados a gastar tempo no dia a dia vão evoluir ou desaparecer, e algumas das especialidades que estão muito ligadas a tecnologias específicas vão sofrer grandes alterações.

 Por exemplo, com a automação possibilitada pelos LLMs (Large Language Models), a análise de imagens e resultados laboratoriais vão mudar dramaticamente, o que para especialidades como a Radiologia, ou a Medicina Laboratorial terá grande impacto. Repare-se que neste momento a tecnologia já existe, por isso a principal questão é sobre como melhor a usar e adaptarmo-nos. Mas, no essencial, a missão do Médico não se deve alterar: vai ser sempre necessário alguém que assuma o dever de cuidar do doente, de tentar ajudar a compreender e adaptar-se à doença, e navegar a complexidade de opções terapêuticas e a monitorização da resposta.

Os médicos do futuro deverão, por isso, não  abraçar o uso destas novas tecnologias, mas ainda acima de tudo, contribuir para a sua criação e evolução, de forma a serem usadas de forma ética e com os interesses dos doentes em primeiro lugar. Não nos podemos abster de participar nesta revolução tecnológica. 

 

 

  1. A ponte entre a investigação e a aplicação prática é um desafio constante. Como acelerar a translação da ciência para benefícios concretos aos doentes? 

 

Essa é a pergunta fundamental a que nos devemos dedicar, e na qual trabalhei nos últimos 20 anos; infelizmente o progresso não tem sido tão rápido como gostaríamos, mas espero estarmos mais perto de a solucionar com a IA generativa.

O problema fundamental mantém-se idêntico: há uma enorme heterogeneidade biológica na origem da maior parte das doenças crónicas que mais contribuem para a mortalidade e morbilidade (e.g. cancro, doenças metabólicas e neurodegenerativas), e por outro lado, há uma enorme heterogeneidade clínica nas manifestações e prógnostico - e não temos tido a capacidade de criar pontes translacionais entre as duas.

Temos, já há algum tempo, as ferramentas diagnósticas e laboratoriais para caracterizar a heterogeneidade biológica, que revelaram que os sistemas biológicos são ainda mais complexos do que achávamos. Tecnicamente, essa mudança aconteceu e está a ser incorporada, lentamente, na prática cnica – achávamos que a revolução da medicina genética e molecular ia ser muito mais rápida, mas deparamo-nos com um volume e complexidade de dados impossível de analisar. O que a IA generativa pode fazer é ajudar a fazer essa análise, derivar insights não-óbvios e dessa forma criar ferramentas de translação que acelerem significativamente o processo.  

 

 

  1. Muitos alunos imaginam um futuro exclusivamente clínico, mas a sua trajetória mostra que há múltiplos caminhos. Que conselhos daria a quem quer explorar carreiras na indústria farmacêutica ou na investigação biomédica? 

 

Quando se está a contemplar esse género de escolhas, o mais importante é ter o máximo de informação, e falar com diversas pessoas dessas áreas para ter uma perspetiva qualificada; infelizmente, muitas vezes esse passo é o mais difícil porque não sabemos a quem nos dirigir, ou quem ouvir.

Porventura, a rede de Alumni da NOVA poderia ser um espaço para esses diálogos. Algumas empresas farmacêuticas também oferecem oportunidades de estágio ou abrem as portas à comunidade. Mas, infelizmente, a realidade é que não há muito diálogo entre as Escolas Medicas e a Indústria Farmacêutica. É natural que tem de haver cuidado para não se transporem linhas éticas, ou gerar conflitos de interesse, mas não há razão para se viver de costas voltadas. Depois, temos de nos interrogar sobre os motivos da nossa escolha: porque estamos interessados na investigação biomédica em geral ou na medicina farmacêutica? A prática clínica e a investigação biomédica têm motivações complementares, mas diferentes; o trabalho diário é muito diferente e exige qualificações diversas; o tempo para se atingir resultados, e a sua escala, é outra grande diferença entre as duas carreiras. O modelo do clínico-cientista (“physician-scientist”), que está bem estabelecido noutros países, em Portugal não parece ter tanta viabilidade, o que é pena. A pressão diária assistencial não é compatível com o tempo da investigação e as faculdades e hospitais também nem sempre têm flexibilidade para compatibilizar essas atividades. Há muito trabalho para se fazer neste tema. 

 

 

  1. A inovação em saúde exige um ecossistema colaborativo entre universidades, indústria e hospitais. Como podemos fortalecer essa ligação para preparar melhor os futuros profissionais de saúde? 

 

A criação de um ecossistema colaborativo deve ser alvo de trabalho constante entre estas instituições, às quais juntaria também as autoridades reguladoras (como o INFARMED), as associações de doentes e as empresas de tecnologia neste momento de transição.

Começa tudo por se compreender as diferentes perspetivas destes agentes, na tentativa de encontrar convergências e oportunidades de colaboração, e funciona melhor quando se tem objetivos concretos, ou projetos específicos em mente. Mesmo se nos focarmos apenas num dos temas possíveis, “qual o perfil dos médicos do futuro, que qualificações devem ter, quais serão as suas obrigações e desafios”, e adotarmos estas perspetivas diferentes, vemos que há várias visões possíveis, e que têm de ser compatibilizadas. Temos de iniciar este diálogo, e a NOVA pode ter um papel catalisador.

A Medicina está a mudar rapidamente, mas os avanços na Biologia (e na Ciência em geral) e na Tecnologia estão a acontecer a um ritmo muito mais acelerado, correndo-se o risco da educação médica e a prática clínica ficarem para trás, em detrimento dos doentes e da sociedade. Por isso, temos de estar abertos a abandonar, ou modificar, algumas das nossas práticas estabelecidas na medicina clínica, a abraçar a inovação que se mostre útil, e a ajudar a criá-la e informá-la com os nossos princípios éticos e centrados no doente. Não o fazer neste momento seria um erro enorme, com risco de menorizar o papel do medico como agente central nos cuidados de saúde; temos de assumir a liderança, como sempre fizemos ao longo da História.  

Paulo Fontoura

Chief Medical Officer

Xaira Therapeutics 

Alumnus and affiliated faculty member of NOVA Medical School 

Dr. Paulo Fontoura é Chief Medical Officer da Xaira Therapeutics, onde lidera o uso de IA generativa para o desenvolvimento de novos medicamentos e para o avanço da medicina de precisão. Foi Vice-Presidente Sénior da Roche Pharmaceuticals por 16 anos, dirigindo a área global de Neurociência, Imunologia, Oftalmologia, Doenças Raras e Infecciosas, onde impulsionou mais de 40 terapias inovadoras, incluindo tratamentos pioneiros para Esclerose Múltipla, Atrofia Muscular Espinhal e Degeneração Macular Relacionada à Idade.

Neurologista e com um Doutoramento em Neuroimunologia pela NOVA Medical School, realizou pesquisa pós-doutoral em Stanford e publicou mais de 100 artigos científicos. Membro da American Academy of Neurology, é professor afiliado da NOVA Medical School e atua como conselheiro e membro de conselhos consultivos na indústria biofarmacêutica.